O projecto "Coldynamics" é uma investigação científica no campo da climatologia local desenvolvida pelo Grupo de Meteorologia "O Tempo Na Margem Sul", com o objectivo de mapear os locais mais frios da península Ibérica, inerentes ao fenómeno de inversão térmica por efeito de irradiação dentro ou fora da malha urbana.
O kick-off do presente projecto realizou-se no passado ano de 2020, envolvendo a entrada de um novo colaborador na equipa de trabalho, cujo respetivo know-how e a sua experiência académica na área se revelaram de extrema importância para impulsionar o desenvolvimento desta investigação.
Ao longo dos últimos anos, foram identificados diversos pólos de ar frio em algumas zonas do nosso país, sobretudo através de um exaustivo trabalho de campo por parte da nossa equipa, envolvendo métodos de medições itinerantes, bem como o registo automático de dados nocturnos com recurso a dispositivos dataloggers devidamente instalados em zonas nevrálgicas para a temática em estudo. A aquisição de material adequado para o efeito permitiu-nos desde logo a obtenção de registos notáveis, de forma a que fosse possível proceder com uma análise objectiva dos locais com maior potencial para a ocorrência deste fenómeno.
A identificação dos locais mais promissores tem por base numa fase inicial, a análise prévia e ponderada com recurso a plataformas e aplicações de cartografia, termografias de alta resolução e outros meios auxiliares, sendo à posteriori complementada por um estudo exaustivo sobre os diferentes parâmetros que auxiliam ao processo de inversão térmica nomeadamente tipologia do terreno, orografia envolvente, ausência de edificado, arborização e condições atmosféricas adequadas.
Para efeitos de medição temos ao nosso dispor os mais recentes meios tecnológicos, que nos permitem assegurar uma maior fiabilidade dos dados obtidos in situ. Dispomos de termómetros digitais para leituras realizadas de forma itinerante e em tempo real, dispositivos de recolha de dados automáticos (dataloggers de alta precisão) e aparelhos de leitura em movimento, que nos permitem identificar e confirmar o potencial de cada local numa fase inicial (MeteoTracker).
Todos os instrumentos de medição utilizados nas investigações possuem certificado de calibração e qualidade assentes na norma ISO 9001:2015, de modo a assegurar a máxima fiabilidade dos dados obtidos no terreno.
Até ao momento, foram identificadas algumas zonas do nosso país com potencial muito significativo para a ocorrência das chamadas "Cold pools" (designadamente piscinas, lagos ou pólos de ar frio localizados).
Destacamos especialmente e a título de exemplos duas áreas actualmente em monitorização, nomeadamente na Herdade da Apostiça (Concelho de Sesimbra) e na freguesia da Palhaça, em Oliveira do Bairro esta última que tem vindo a ser estudada por um dos nossos administradores residente na zona em questão. Existem ainda outros locais identificados e que estão presentemente em processo de análise, nomeadamente estrada de Alvega em Fátima, vale do Alambre em Azeitão e aldeia de Gimonde em Bragança.
Todos os registos efectuados pela nossa equipa encontram-se espelhados na Plataforma Earth Web da Google, de modo a permitir a acessibilidade de qualquer cidadão que manifeste interesse na temática em estudo e de uma forma mais detalhada. Os utilizadores podem consultar livremente o mapa do projecto, através do qual é possível verificar pormenorizadamente as características de cada local, nomeadamente fotografias, gráficos de temperatura, mapas topográficos, análise do fenómeno e os respectivos registos obtidos pelos nossos instrumentos de medição. Esta plataforma encontra-se em actualização permanente e pode ser acedida através do botão abaixo.
Com o objectivo de complementar o projeto em curso, procedeu-se a uma recolha exaustiva de dados ao longo dos últimos anos em pontos distintos da herdade da Apostiça, permitindo deste modo apurar que a mesma surge como um local de enorme interesse para investigar a formação de inversões térmicas notáveis. A formação de geada e gelo é evidente nesta zona e ocorre com alguma frequência durante as madrugadas das estações mais frias.
Conforme se demonstra na imagem seguinte, os dados recolhidos com recurso a um dispositivo datalogger Elitech RC5+ junto à estrada N377, permitiram apurar um registo notável de -6.0˚C na madrugada do passado dia 26-01-2023, valor este que se supõe ser presumivelmente mais baixo junto aos locais atravessados pela ribeira da Apostiça dentro da respetiva herdade, junto ao Heliporto. Importa salientar que este registo foi obtido perante uma sinóptica normal de inverno, ou seja, sem presença de massas de ar frio significativas.
O desenvolvimento deste fenómeno na zona em questão e especificamente naquele local, envolve uma série de factores que demonstramos no esquema imediatamente abaixo deste texto.
Trata-se em primeira instância de um local inserido em perímetro rural e por isso completamente fora da malha urbana, em que se verifica a ausência de edificações de relevo que possam potenciar o efeito de "ilha de calor urbano" e assim limitar a formação de um pólo de ar frio no fundo do vale.
A rugosidade dos solos locais (concretamente solos tipicamente arenosos) relativamente próximos das áreas litorais, a vegetação maoritariamente herbácea e a declividade do terreno favorecem a rápida libertação de radiação infravermelha, influenciando significativamente o perfil vertical de temperatura do ar.
Não obstante, verifica-se igualmente a presença de linhas de água a montante e jusante da entrada do heliporto, sendo este local atravessado pela ribeira da Apostiça, entre outros cursos adjacentes.
Por último e não menos importante, as condições atmosféricas associadas a uma sinóptica de relativa estabilidade e circulação anticiclónica, com céu pouco nublado ou limpo e vento fraco ou nulo são factores absolutamente cruciais para o desenvolvimento e renovação do ciclo de uma inversão térmica.
Conforme se demonstra na imagem acima é possível verificar no lado direito, com um círculo amarelo, a formação de ar frio nas zonas mais elevadas da região que consequentemente, acaba por ser drenado pela acção da gravidade, acompanhando sempre a ribeira da Apostiça para a zona assinalada pelo quadrado azul, ou seja, para as áreas mais baixas da herdade da Apostiça, seguindo o trajecto assinalado com as setas pretas.
A área delimitada pelo quadrado azul é ainda alimentada pelo escoamento de ar frio dos pequenos declives laterais assinalados com as setas pretas, conforme se verifica pelas curvas de nível que assinalam a altimetria envolvente.
Posteriormente, o ar frio instalado junto aos locais delimitados pela ribeira da Apostiça (assinalado pelo quadrado azul) mantém-se aprisionado pelos "muros" de vegetação envolventes, favorecendo assim a manutenção das baixas temperaturas.
O ciclo de inversão térmica nesta área é, em suma, renovado durante todo o período nocturno pelos factores anteriormente descritos, proporcionando temperaturas mínimas absolutamente notáveis.